Conforme decisão proferida pelo Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos, agora notificada ao SOS Racismo, a colunista do jornal Público, Fátima Bonifácio foi pronunciada, para julgamento, pela prática de um crime de discriminação, previsto e punido pelo artigo 240o, n.o 2, alínea b), do Código Penal.
Em função da participação criminal apresentada pelo SOS Racismo, o Tribunal entendeu que a arguida Fátima Bonifácio incorreu na prática do crime referido, através da publicação de um artigo no jornal Público no dia 6 de julho de 2019, intitulado “Podemos? Não, não podemos”.
De acordo com a decisão judicial, “[…] A arguida proferiu as sublinhadas expressões sabendo que com elas ofendia, rebaixava e inferiorizava os grupos/comunidades visadas – que a arguida designa de “africanos e afrodescendentes” e “ciganos” -, em razão da cor da sua pele e origem, pertença cultural ou étnica”, bem como, que a arguida “escreveu e divulgou publicamente o seu escrito, querendo fazê-lo da forma que o fez, bem sabendo que o mesmo era ofensivo e discriminatório […]”.
Mais decorre da referida decisão judicial – que acompanha a posição assumida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que também se pronunciou no âmbito deste mesmo processo judicial e em sede de um recurso interposto pelo SOS Racismo – “[…] que várias das expressões utilizadas e das afirmações realizadas pela arguida no artigo de opinião em causa são baseadas em ideias preconceituosas e carregadas de generalizações abusivas, o que o torna não apenas discutível e criticável, mas também objetiva e inequivocamente ofensivo da honra das pessoas que visa, nomeadamente as pessoas de etnia cigana e de origem africana. Tal ofensa assume carácter discriminatório, na medida em que distingue e visa pessoas que constituem “grupos étnico-raciais”, por esse motivo. Assim, o discurso assumido pela arguida é ofensivo dos grupos identificados como “ciganos” e “africanos”, lesando as pessoas que o compõe, nos seus direitos à igualdade, à honra e à consideração. As referidas expressões e juízos de valor extravasam o âmbito de proteção da liberdade de expressão, sendo suscetíveis de gerar ou potenciar na comunidade sentimentos de desconfiança, rejeição ou até ódio perante os membros da comunidade visada […]”.
Embora o processo judicial ainda esteja no início, o SOS Racismo congratula-se com esta decisão, que confirma aquilo que havíamos defendido desde a data em que o artigo em causa foi publicado: as afirmações de Fátima Bonifácio foram, no mínimo, infundadas, insultuosas, ofensivas e lesivas da honra e dignidade de milhões de pessoas, porque sustentadas em generalizações abusivas e em preconceitos explicitamente racistas e xenófobos.
Tal como defendemos nesse momento, e voltamos agora a repetir, a liberdade de expressão não deve resultar numa plataforma para a ofensa e agressão, que veiculam posições de ignorância social e científica e que contribuem para intensificar o preconceito e o ódio racial, a ciganofobia e a xenofobia, sem que tal tenha as previstas e necessários consequências legais.
Muitas pessoas insurgiram-se contra a participação criminal apresentada pelo SOS Racismo, argumentando que a luta política contra o racismo não deveria ser feita no campo judicial. Outras ainda invocaram o direito à liberdade de opinião para contrariar a nossa posição. Ora, nunca se tratou de contrariar qualquer liberdade de expressão, mas sim, de garantir que esta não pode ser invocada para atentar à dignidade humana. O SOS Racismo não pode escusar- se à responsabilidade de denunciar e exigir o cumprimento legal da defesa dos
direitos do/as vítimas do racismo. É este o nosso compromisso e é com esta motivação que assumimos a nossa intervenção cívica e social, mesmo quando criticados – à direita e à esquerda – por termos recorrido aos instrumentos legais de um Estado de Direito Democrático, para contestar aquilo que reputamos como inaceitável e indefensável em Democracia.
Registamos, ainda, o facto de a decisão judicial ter sido proferida no dia 21 de março, dia internacional para a eliminação da discriminação racial – é uma coincidência, que, mesmo sendo simbólica, nos parece profundamente acertada.
A Direção do SOS Racismo
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